Walden – A Vida nos Bosques

Hoje irei falar de um livro que teve uma grande importância na minha vida; um livro que me ajudou a trilhar os caminhos certos e  a me tornar a pessoa que eu sou hoje: Walden – A Vida nos Bosques, de  Henri David Thoreau.

Meu primeiro contato com esse livro se deu através das citações de Christopher McCandless, no filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild). Fiquei tão tocada com aquelas palavras que falei a mim mesma “eu preciso ler esse livro”.

Um livro repleto de ensinamentos sobre  a vida, liberdade, simplicidade  e sobre como a natureza está intrinsecamente ligando esses três pontos.

Mas antes de adentramos ao livro em si, vamos conhecer um pouquinho da história do seu autor, e o que o levou a escrever Walden.

Sobre o Autor de Walden

Henry David Thoreau, autor de WaldenNascido em 1817, em  Concord, Massachusetts, nos Estados Unidos, Henri David Thoreau começou a amar a natureza em seu contato direto com ela durante o pastoreio dos gados selvagens que haviam na cidade.

Formou-se em literatura em 1837 e, no ano seguinte,  fundou uma escola, juntamente com seu irmão John, cujos métodos de ensino incluíam passeios na natureza. A escola foi fechada em 1842 em virtude da morte de John, que contraiu tétano ao cortar-se fazendo a barba. Uma morte inoportuna que traumatizou Thoreau aos 25 anos de idade.

Alguns anos antes, em 1835, Thoreau conheceu aquele que viria a se tornar seu grande amigo, Ralph Waldo Emerson, um transcendentalista que,  assim como ele, acreditava que o indivíduo podia relacionar-se diretamente com Deus. Thoreau acreditava que a conexão com essa alma superior se dava através da natureza. Estava convencido de que podia encontrar Deus ali.

Por outro lado, Thoreau mantinha-se eternamente insatisfeito com a vida na sociedade industrial em que estava inserido e com o modo como as pessoas viviam, sempre com muita pressa, trabalhando muito e vivendo pouco. Ele acreditava  que o homem deveria trabalhar um dia por semana e descansar nos outros seis ; que viveríamos melhor se pudéssemos diminuir o ritmo e aprender com pouco.

Assim, em  04 de julho de 1845 , Thoreau  faz sua pessoal declaração de independência e inicia uma solitária vida junto ao lago Walden, nas terras do seu amigo Emerson, próximo a Concord, onde constrói uma cabana  e passa a viver com o trabalho de suas próprias mãos, durante 2 anos e 2 meses, mantendo um diário do que ele dizia ser seu “experimento”.

No início eram simples anotações cotidianas , do que fazia,  via e pensava. Mas seus textos o transformaram, dando a tudo um maior significado e,  anos mais tarde, se tornaram aquele que seria o maior legado de Thoreau: Walden-A vida nos bosques.

Thoreau, deixou Walden  a pedido do proprietário do lugar, e  passou o resto de sua vida realizando grandes passeios às florestas, até o dia da sua morte, em 1862, em virtude de uma tuberculose que lhe atormentava desde os tempos da faculdade.

Thoreau foi um dos primeiros defensores de caminhadas na natureza, da conservação dos recursos naturais em terras privadas, e da preservação da região selvagem como terras públicas, sendo considerado por muitos, o pai do movimento de conservação, o pai da Ecologia.

Atualmente  o bosque em volta do lago Walden é uma área de proteção ambiental.

A cabana de madeira que Thoreau construiu nas imediações do lago não existe mais, porém foi construída uma réplica, em um local próximo, e colocada uma estátua do escritor. O local tornou-se um ponto de visitação turística.

Sobre Walden – A vida nos Bosques

Walden - A vida nos bosques

“Fui para os bosques porque pretendia viver deliberadamente, defrontar-me apenas com os fatos essenciais da vida, e ver se podia aprender o que tinha a me ensinar, em vez de descobrir à hora da morte que não tinha vivido. Não desejava viver o que não era vida, a vida sendo tão maravilhosa, nem desejava praticar a resignação, a menos que fosse de todo necessária. Queria viver em profundidade e sugar toda a medula da vida, viver tão vigorosa e espartanamente a ponto de pôr em debandada tudo que não fosse vida.”

Walden é baseado no relato e em todo o pensamento filosófico empreendido durante os dois anos e dois meses em que Thoreau morou no bosque, com o propósito de extrair a verdadeira essência da vida.

Além de descrever sua estadia na floresta, Walden analisa e condena a sociedade consumista  e convida a uma reflexão sobre um modo de vida simples, cercado pela natureza, propondo novos olhares sobre o conceito de liberdade.

“Seria vantajoso, mesmo em plena civilização materialista, viver uma vida primitiva no meio do mato, nem que fosse para aprender quais são nossas necessidades básicas e que métodos foram empregados para obtê-las.”

“Quando um homem se mantém (…) das diversas maneiras que descrevi, o que é que ele quer mais? Certamente não há de ser maior quantidade do mesmo calor, comidas abundantes e sofisticadas, casas imensas e esplêndidas, roupas numerosas e finas, coisas desse tipo. Quando já se conquistou o necessário à vida, surge uma alternativa que não a de obter os supérfluos, ou seja, a de aventurar-se na vida agora.”

“A maioria dos luxos e muitos dos chamados confortos da vida, não só são dispensáveis como constituem até obstáculos à elevação da humanidade. “

Thoreau queria mostrar  com seu “experimento” que era possível trabalhar apenas um dia, dedicando os outros seis a preocupações mais transcendentais. Acreditava que  a vida era muito curta para se deixar o tempo passar em função de coisas superficiais ou de idéias preconcebidas de uma suposta segurança futura. O  importante era viver o agora.

“O custo de uma coisa é a quantidade de vida que é necessário para ser trocado por ela, imediatamente ou a longo prazo.” 

“Se estamos vivos, vamos tratar da vida. O tempo é apenas o rio em que vou pescando. Bebo nele, mas ao beber vejo-lhe o leito de areia e percebo quão raso é.

“Contudo os homens trabalham à sombra de um erro, lançando ao solo para adubo o que têm de melhor. Por uma sina ilusória, vulgarmente chamada necessidade, desgastam-se a amontoar tesouros que a traça e a ferrugem estragarão e que surgem ladrões para roubar. É uma vida de imbecis, como perceberão ao fim dela, se não antes”

Publicado em 1854, Walden alerta para um fato que se constata até os tempos atuais :

“Os homens, em sua maioria, levam vidas de sereno desespero. O que se chama resignação é desespero crônico.”

Desespero por viverem em função do trabalho, a fim de garantir um futuro que sequer sabem se vai chegar, deixando o tempo se esvair sem realizarem o que realmente desejam realizar; Desespero por viverem adquirindo coisas e mais coisas, seja em função de uma falsa necessidade, seja em função da opinião pública; Desespero por terem plena consciência disso tudo, mas ao mesmo tempo não tomam a decisão de mudar essa condição.

“Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não podem colher os frutos mais saborosos da vida”

“É bem evidente a vida mesquinha e vil que muitos levam, (…) fazendo-se de doentes de modo a economizarem algo para o dia em que estejam de fato doentes. “

Muitos imaginam Thoreau como o ermitão de Walden,  recluso,  fazendo tudo para si mesmo, sem contato algum com o mundo exterior. Mas não é bem assim.

Walden ficava a 3 km do vilarejo. A sociedade estava perto. Thoreau recebia seus amigos ali e frequentava, toda semana, a cidade. Mas como ele mesmo escreveu “precisamos do tônico selvagem”. E o que Walden simboliza é  exatamente  isso: o equilíbrio entre a civilização e a natureza.

Para Thoreau  não se reformam comunidades, não se reformam  multidões. Reformamos uma pessoa, reformamos a nós mesmos. E isso só se consegue levando-se uma vida mais simples,  sem os excessos do mundo capitalista e em contato direto com a natureza.

O livro retrata isso. Uma pessoa dando um tempo na vida em sociedade, passando a viver junto a natureza,de forma simples, com o estritamente necessário, encontrando a sim mesmo e voltando ao mundo transformado, sabendo dar valor a cada detalhe da vida e consciente de que “um homem é rico em proporção ao número de coisas de que pode prescindir”, pois quanto mais se consegue prescindir, mais liberdade se terá e mais vida haverá para ser vivida.

Em um nível mais profundo Walden é uma jornada espiritual em busca de si mesmo e um apelo para as pessoas deixarem um pouco de lado este mundo competitivo, juntarem-se a natureza  e varrerem a confusão de coisas que complicam nossas vidas.

“Vivemos mesquinhamente, como formigas, embora conte a fábula que fomos transformados em homens muito tempo atrás; como pigmeus lutamos com grous; é erro sobre erro, remendo sobre remendo; e nossa melhor virtude tem como causa uma miséria supérflua e desnecessária. Nossa vida se perde no detalhe. (..) Simplicidade, simplicidade, simplicidade! E digo: tenham dois ou três afazeres, e não cem ou mil; em vez de um milhão, contem meia dúzia, e tenham contas tão diminutas que possam ser registradas na ponta do polegar. Em meio ao oceano encapelado da vida civilizada, são tantas as nuvens, as tormentas, as areias movediças, os mil e um pontos a levar em consideração, que um homem, se não quiser naufragar e ir ao fundo sem jamais atingir seu porto, tem de navegar por cálculo e, para consegui-lo, precisa ser realmente bom de cálculo. Simplifiquem, simplifiquem.”

É certo que em Walden o autor se expõe como  experimento de uma  vida  levada com simplicidade, porém cabe a cada indivíduo em  particular disciplinar-se a isso, proporcionando a si mesmo essa  evolução espiritual . Não é uma pessoa que tem que lhe dizer o que fazer para desfrutar da vida em plenitude.  A verdadeira transformação é pessoal, interior. E para isso Thoreau já nos alertou:

“Não gostaria que alguém adotasse meu modo de vida por motivo nenhum; pode ocorrer que antes que o aprenda, eu já tenha descoberto outro para mim, e além disso desejo que haja no mundo tanto quanto possível pessoas diferentes. Gostaria, sim, que cada um se empenhasse em descobrir e seguir seu próprio caminho, em vez do trilhado por seu pai, sua mãe ou seu vizinho. Que o jovem construa, plante ou viaje, contanto que não seja impedido de fazer aquilo que, segundo ele, gostaria de fazer.”

Quando li Walden, eu sabia exatamente que aquilo era o que eu pensava, mas apenas isso não me transformou na pessoa que eu sou hoje. Foi o contato direto com  a natureza, foram as minhas idas e vindas às montanhas, carregando na minha mochila o estritamente necessário à minha sobrevivência, que realmente me fizeram entender que precisamos de muito pouco para viver.

Foi vivenciando isso tudo,  passando tantos dia com tão pouco,  muitas vezes sentindo sede, fome e  frio; sentindo o suor de um dia escaldando ainda no corpo enquanto descansava  à noite; sentindo o desconforto do chão duro sobre as  costas e o esgotamento causado pelo cansaço, que me fizeram dar mais valor as pequenas coisas da vida,  e a levar uma vida  mais simples e plena em sociedade.

E como é bom  voltar para casa, depois de dias imersa na natureza, e tomar aquele primeiro banho, tomar aquele gole de água gelada, comer aquele pão com ovo mais gostoso da sua vida, enfiar-se embaixo do seu cobertor e dormir o sono dos deuses na sua cama quentinha, a mesma que  tempos atrás se jurava ser a pior do mundo. Coisas simples da vida, as quais ninguém dá o devido valor.

Isso é só uma pontinha do que vem a ser simplicidade. E isso você nunca vai aprender apenas lendo livros. Livros apenas te indicam a direção.  Somente a vivência deixa marcas profundas em seu caminho, que não te farão desviar dele.