Dicas Planejando o Circuito Ausangate via Vinicunca

Planejando o Circuito Ausangate por uma rota alternativa que levaria à montanha colorida de Vinicunca, sem guias, sem mulas ou qualquer outro tipo de ajuda.

Essa trip à Ausangate veio meio que por acaso.

Inicialmente estava me programando para ir à Bolívia,  tentar escalar algumas montanhas de gelo lá, com guia é claro, afinal ninguém do grupo tinha experiência alguma naquele tipo de ambiente.  Já estava inclusive acertando tudo com o Juan da Climbing Bolivia, indicado pelo amigo ‎Hélio Fenrich‎.

No entanto, enquanto eu planejava essa trip à Bolívia, o dólar foi subindo, subindo, subindo e comecei a ver meu sonho se distanciando cada vez mais. Quando me dei conta o dólar já havia dobrado de valor e cheguei ao ponto de ter que cortar algumas montanhas do planejamento, mesmo que aquele não fosse o meu desejo.

Nesse meio tempo o amigo Ramon Quevedo me enviou um email falando sobre o Circuito Ausangate e a montanha colorida de Vinicunca, no Peru. Disse que, diante da situação  que se encontrava o dólar,  fazer esses roteiros no Peru, de forma autônoma, sairia muito mais barato que insistir no meu planejamento da Bolívia. E como não me agradava nem um pouco ter que cortar do planejamento montanhas que eu queria subir, acabei concordando em mudar a trip para o Peru, deixando Bolívia para quando o dólar estivesse mais barato.

A princípio o Ramon iria com a gente mas, por motivos profissionais, acabou não rolando para ele.

O Início de Tudo – A Trilha X

 A ideia do Ramon era unir duas trilhas de lá (Ausangate Trek Total e Apu’s Trail, que levava a montanha colorida de Vinicunca)  tendo Tinke como um ponto de abastecimento

A junção dessas duas trilhas, forma um X. Penso em fazer ela independente, sem mulas. Sai de uma perna APUS trail e chega em uma perna da Ausangate. Pega a outra perna da Ausangate e retorna para outra perna da APUS, desenhando assim o X. Vou chamar de… TRILHA X!!!!!. Sem mulas… independente…. sem gasto. (Ramon Quevedo)

A Trilha X do Ramon ficaria assim então:

Trilha X do Ramon

Fazendo a trilha X, teríamos necessariamente que começar indo até Chilca (4300), para o primeiro pernoite, já que a outra opção (Hampococha) não era muito viável, por ser um local mais alto (4800). O ideal era ir subindo aos poucos, para uma melhor aclimatação.

De Chilca, então, deveríamos seguir para Ausangatecocha, Jatum Pucacocha, Upis Thermas e Tinke. Em Tinke reabastecer e seguir para Pachanta Thermas, Ausangatecocha, Anantapata, Hampococha e finalizar a trilha mais à frente.

Como se pode ver a trilha X do Ramon na verdade formava quase um &. Mais tarde ele percebeu isso e trocou o nome para a Trilha &.  😆

Bom, após a ideia inicial do Ramon comecei a estudar a trilha e fui me deparando com alguns obstáculos.

Em minhas pesquisas não encontrei nenhuma informação relativa a essa trilha Apu, que passava por Vinicunca, a não ser os pacotes oferecidos por agências, que informavam apenas os locais de pernoite. Nada falavam sobre o lugar de início e fim da trilha.

Eu sabia que o primeiro pernoite era feito em Chilca e o último em Hampococha, mas qual era o nome desse lugar onde iniciaríamos a trilha até Chilca, para eu saber para onde o transporte deveria nos levar? E qual era o nome do local onde terminaria a trilha, após Hampococha, para eu saber onde pedir para o transporte nos buscar? Afinal, Conseguiríamos transporte até esses lugares? Quanto esse transporte nos custaria, já que a distância não era nada curta?

O motivo principal da mudança da trip da Bolívia para o Peru foi o barateamento dos custos. A trip do Peru deveria ser barata, então não podíamos correr o risco de chegar lá, sem qualquer informação, e acabar gastando horrores com transporte, e um transporte que não sabíamos sequer se conseguiríamos.

Eram muitas as perguntas para as quais eu não encontrava nenhuma resposta na internet. Tinha conhecimento apenas de empresas de turismo que os forneciam, porém com inclusão do caro pacote de guiada. E tudo o que eu não queria era um guia com suas mulas. Eu queria fazer um trekking autossuficiente, sem qualquer tipo de ajuda externa, carregando todo o meu equipamento, como o Ramon propôs inicialmente.

Além da falta de informação que inviabilizava a Trilha X, algumas coisas também não me agradavam:

a) Ter que retornar à Tinke para abastecer. Já que era para fazer trekking,  eu queria uma imersão total. Para mim, voltar à cidade quebra um pouco do encantado da coisa, então, eu não queria fazer dessa forma.

b) Passar pelo mesmo lugar duas vezes. E o mesmo lugar era, ainda por cima, o local mais difícil de todo o circuito: o Passo Palomani.

Depois de algumas conversas com Ramon, sobre os problemas que eu estava enfrentando com as pesquisas e sobre pormenores que me desagradavam no trajeto proposto,  ele sugeriu de esquecermos a Trilha X e fazermos apenas o circuito Ausangate, com um bate e volta em Vinicunca,  já que o objeto de desejo principal, fora do circuito Ausangate, era a montanha colorida.

Novamente esbarrei no mesmo problema anterior: Bate e volta significava passar pelo mesmo lugar duas vezes. Eu queria chegar a Vinicunca por um lugar, e sair por outro, percorrendo trilhas diferentes e, assim, abranger uma gama maior de paisagens que eu pudesse explorar.

Fui atrás do que eu desejava, então.

Debrucei-me no computador, passei noites e mais noites em claro, fazendo pesquisa atrás de pesquisa, de uma trilha que pouca ou nenhuma informação se encontra na internet, até , finalmente, conseguir traçar uma rota alternativa do Circuito Ausangate, que passasse por Vinicunca, exatamente da maneira como eu queria, percorrendo caminhos diferentes.

A Rota Traçada

O trajeto original do Circuito Ausangate não tinha segredo. Existiam diversos tracklogs na internet.

O problema maior foi descobrir uma trilha por onde pudéssemos deixar o Circuito, para ir até Vinicunca e, após,  retornar ao Circuito por um caminho diferente.

O primeiro desafio foi descobrir qual a localização exata de Vinicunca.  Uma coisa eu sabia: ela não estava no Circuito Ausangate.

Peguei então o tracklog da trilha APU, dei um zoom no Google Earth, e fui analisando cada pedacinho dele até, finalmente, encontrar a linda montanha colorida, entre Anantapata e Hampococha.

Encontrando Vinicunca no Google Earth

Bom, agora eu já sabia a localização exata de Vinicunca; sabia que poderia chegar até lá saindo do Circuito Ausangate a partir de Ausangatecocha. Mas como retornar ao Circuito Ausangate sem seguir pela mesma trilha que me levaria à Vinicunca?

Analisando a trilha APU, no Google Earth,  vi um vale, ao lado de Vinicunca. Um vale que, num movimento circular em sentido anti-horário, contornava uma grande montanha, se encontrando, mais a frente,  com um segundo vale o qual, por sua vez, desembocava num terceiro vale. E esse terceiro vale era justamente o que levava a Ausangatecocha.

Procurei então por uma trilha que ligasse Vinicunca a esse  terceiro vale (local que eu já tinha o pedaço do tracklog da Trilha APU) mas localizei apenas o trajeto até o segundo vale, no povoado que até então eu chamada de Casa 4 (quarta casa que localizei nos vales, pelo Google Earth, e marquei como possível ponto de acampamento), mas que durante a trilha vim a saber que se chamava Quesiuno.

Região dos três vales

Do segundo vale para o terceiro vale não localizei tracklog, porém, dando zoom no Google Earth, verifiquei que se tratava de uma estrada. Então, não teria erro. Bastava seguir até o terceiro vale por ela, adentrando nele, à direita,  no local que eu marcaria no tracklog.

Estrada, a partir de Quesiuno, no segundo vale

Ao final dessa primeira pesquisa, meu trajeto ficou assim:

Em vermelho: Primeira tentativa de traçar uma rota alternativa do Circuito Ausangate

Como se pode ver, no trajeto acima, em vermelho, nós passaríamos duas  vezes no terceiro vale: Na primeira vez saindo de Ausangatecocha para Vinicunca, e na segunda vez, retornando para Ausangatecocha. Não era isso que eu queria.  Como eu disse, anteriormente, a ideia era percorrer trilhas distintas.

Fui então atrás de outras possíveis trilhas que ligassem o Circuito Ausangate à Vinicunca, sem começar por Ausangatecocha, e localizei um tracklog cuja trilha se iniciava em Jatum Pucacocha. Bingo!!! Estava traçada a  nossa rota alternativa do Circuito Ausangate, passando por Vinicunca e percorrendo trilhas distintas.

Planejando o Circuito Ausangate
Em vermelho: a rota traçada

Ao final, a rota traçada, ficou assim:

DIA 1 – Tinki – Upis
DIA 2 – Upis – Jatum Pucacocha
DIA 3 – Jatum Pucacocha – Casa 1
DIA 4 – Casa 1 – Casa 5
DIA 5 – Casa 5 –  Ausangatecocha
DIA 6 – Ausangatecocha – Huchuy Finaya
DIA 7 – Huchuy Finaya – Acampamento Jampa
DIA 8 – Acampamento Jampa – Pachanta
DIA 9 – Pachanta – Tinke
DIA 10 – Reserva

As tais “Casas” são pequenas construções que localizei através do Google Earth, quando estava estudando a trilha que nos tiraria do Circuito Ausangate, nos levaria à Vinicunca e  nos colocaria de volta ao Circuito.

Como não havia informação dessa trilha na internet, a partir de Vinicunca,  a fim de se verificar possíveis áreas de camping, fiz uma busca a grosso modo, analisando a trilha pelo Google Earth. Se lá existia uma “casa” provavelmente daria para acampar. E assim surgiram as Casas:

a) Casa 1: primeira casa encontrada após a descida de Vinicunca, no início do primeiro vale

d) Casa 4: quarta casa encontrada após a descida de Vinicunca, no início do segundo vale, a qual viemos, posteriormente, a saber que se chamava Quesiuno

e) Casa 5 : quinta  casa encontrada após a descida de Vinicunca, no final do segundo vale e início do terceiro

Ademais, no Dia 8, antes de iniciar a descida para Pachanta,  planejei escalar o Nevado Campa. Se escalamos? Bom, isso eu só vou contar no relato do circuito. Aguardem  😀

O Plano B

O primeiro dia, apesar de longo era mais tranquilo, pois não havia nenhum passo de montanha a enfrentar. O segundo dia já havia o Passo Arapa, porém, pelo o que tinha lido, não era uma subida muito puxada, comparada aos outros passos. Diante disso, não vi necessidade de Plano B para os acampamentos destes dias.

Apenas no terceiro dia  enfrentaríamos o primeiro passo forte de montanha. Passo esse de nome desconhecido, a quase 5.000 metros de altitude, próximo a Jatum Pucacocha,  por onde sairíamos do Circuito Ausangate rumo à Vinicunca.

Por se tratar de um forte passo de montanha, a uma altitude consideravelmente elevada,  achei por bem ter uma alternativa de camping  logo após ele, e antes de Vinicunca, caso ficássemos muito exaustos com a subida. Esse local alternativo seria Anantapata. Logo após  Anantapata, haveria um outro passo forte de montanha (também de nome desconhecido), que se encontrava a 5000 metros de altitude.

Pernoitando em Anantapata, o próximo local de acampamento, também mudaria. Acamparíamos, então, no quarto dia,   um pouco antes, na Casa 4, localidade que viemos a saber, durante o circuito, que se chamava Quesiuno.

No quinto dia, deveríamos seguir então de Quesiuno até Ausangatecocha,  apesar da pouca distância, a fim de descansar o resto do dia para enfrentar o Passo Palomani, no dia seguinte.

Como o Passo Palomani é um passo muito exigente, que passa dos 5000 metros de altitude, coloquei Pampacanha,  como uma alternativa de camping no sexto dia, antes de  Huchuy Finaya (área de camping do Plano A) caso ficássemos muito esgotados com a subida.

Acampando em Pampacancha, a próxima área de camping seria Huchuy Finaya mesmo (no sétimo dia) , apesar da pouca distância, a fim de descansar para a subida do Passo Campa, a 5.000 metros de altitude,  rumo ao Acampamento Jampa, no dia posterior (oitavo dia)

Do Acampamento Jampa em diante não seriam necessários acampamentos alternativos, pois se tratava apenas de descida até  Pachanta (nono dia)  e, de lá, à  Tinke (décimo dia)

No esboço que fiz do nosso roteiro, abaixo,  antes de partirmos para a trip,  as áreas de camping do Plano A são as marcadas por uma bolinha azul e os pontos de acampamentos de segunda opção (Plano B), podem ser identificados por um X em vermelho.

Planejamento montado, com Plano A e Plano B, o próximo passo que tomei foi estudar mais a fundo a rota que eu pretendia fazer e a tão temida alta altitude.

Analisei cada pedacinho dos tracklogs, a fim de verificar as distâncias que percorreríamos em cada trecho e a altimetria a ser enfrentada; li relatos e mais relatos, analisando o tempo que as pessoas levavam para percorrer cada trecho, a fim de considerar, no meu planejamento, sempre 2-3 horas a mais, já que carregaríamos todo o nosso equipamento; assisti vídeos e mais vídeos para verificar o ritmo de caminhada das pessoas e ter conhecimento do tipo de terreno que enfrentaríamos; estudei o que levar para comer e a quantidade a ser levada, já que o gasto calórico em altitude é muito maior; aprendi sobre o processo de aclimatação, os efeitos da altitude no corpo, como prevenir o mal de montanha, saber como tratá-lo enfim, fiz todo o estudo necessário para que o circuito fosse um sucesso, como realmente foi.

Tivemos apenas um problema com as distâncias analisadas no GPS. Víamos no  GPS que faltava, por exemplo, 800 metros para chegar mas na realidade caminhávamos por mais 2 km.

Em conversa com o Mario Nery, do Trekking Brasil, posteriormente, durante o Vivência Outdoor 2017,  fui informada que isso ocorria porque o GPS calculava a distância em linha reta, sem considerar os desníveis; e que se eu quisesse que ele mostrasse exatamente a distância a percorrer (do tracklog), era necessário alterar as configurações do aparelho. É, eu  definitivamente preciso estudar um pouco mais sobre GPS.

O Concretizado

Na prática acabamos utilizando  todos os acampamentos de segunda opção (Plano B), concluindo o circuito Ausangate , por Vinicunca, da seguinte forma:

DIA 1 – Tinke (3800) – Upis (4440 m) …………………………………………………… 14,5 Km …. 10h
DIA 2 – Upis (4440 m) – Jatum Pucacocha (4590 m) …………………………….. 11,5 Km ….  7h30min
DIA 3 – Jatum Pucacocha (4590 m) – Anantapata (4740 m)…………………..    6,0 Km ….  6h
DIA 4 – Anantapata (4740 m) – Quesiuno (4380 m) ……………………………..  14,0 Km ….  8h
DIA 5 – Quesiuno (4380 m) – Ausangatecocha (4670 m) ……………………..     7,5 Km ….  4h
DIA 6 – Ausangatecocha (4670 m) – Pampacanha (4470 m)…………………     8,5 Km ….  6h30min
DIA 7 – Pampacanha (4470 m) – Huchuy Finaya (4660 m) ……………………    5,5 Km ….  3h
DIA 8 – Huchuy Finaya (4660 m) – Acampamento Jampa (4810 m)……….    8,5 Km ….  6h30min
DIA 9 – Acampamento Jampa (4810 m) – Pachanta (4330 m) ………………     9,0 Km….  3h
DIA 10 – Pachanta (4330 m) – Tinke (3800 m) ………………………………………  12,0 Km….  4h

Total Percorrido: 97,0 Km

Outras altimetrias

  • Passo Arapa: 4760 m  – dia 2
  • Passo Ausangate: 4940 m – dia 3
  • Passo Surini: 5000 m – dia 4
  • Passo Palomani: 5130 m – dia 6
  • Passo Campa: 5080 m – dia 8

* Todos os dados informados foram coletados com o meu GPS


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